[Vídeo] Casas destruídas em Abaetetuba, em leitura de Celso de Alencar

Leitura do blogpoema Casas destruídas em Abaetetuba pelo poeta Celso de Alencar, em vídeo:

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=ny0mwuGk68o]

 

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Livro “Romanceiro do Quem São Eles” será lançado nesta sexta (17)

A diretoria do Império de Samba Quem São Eles, com apoio da Gráfica Sagrada Família lança, neste 17 de janeiro (sexta-feira), às 20 horas, no Teatro Estação Gasômetro, no Parque da Residência (Av. Magalhães Barata, 830), o livro “Romanceiro do Quem São Eles”, do poeta João de Jesus Paes Loureiro.

Não bastava ser um livro de história precisava ser uma obra que retratasse em poesia e versos da história do Quem São Eles, feita pela pena do Paes Loureiro, benemérito do Quenzão, que estará presente nesta noite de autógrafos de sua obra.

Este livro retrata com dignidade uma escola nascida em 1946 e que, neste tempo se construiu com a ousadia de ser uma autêntica escola de samba com a marca de uma agremiação sem dono, uma escola do povo.

Na ocasião teremos uma apresentação do espetáculo “Serpentinas e Poesia”, da Cia Moderna de Dança e dos sambas do “Quem”, pela Bateria Show e suas mulatas, com a participação de cantores, passistas, porta-estandartes e casais de mestre-sala e porta-bandeira.

Esta obra só pôde ser realizada com o apoio cultural da Gráfica Sagrada Família e do empresário José Conrado Santos e toda a renda desta primeira edição será em favor da escola grená e branco do Umarizal.

Todos os amigos do Quenzão, os amantes do carnaval, da cultura popular são convidados para este lançamento.

Fonte: Império de Samba Quem São Eles.

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Casas destruídas em Abaetetuba

João de Jesus PAES LOUREIRO

Belém, 06 de janeiro de 2014

Soubemos pelos jornais
que o rio Maratauira
em Abaetetuba,
assoreou o barranco
enfraqueceu a terra
e casas naufragaram
como barcos afundando.
Na extremidade da rua em que nasci.

Não foi culpa do rio,
que o rio não tem consciência de seus atos.
Não foi culpa da terra,
que a terra já não decide seu destino.
Não foi a Cobra Grande, que sendo ela
seria por desencantar mundo melhor.
Não foi, portanto, a Boiuna.
A culpa será de quem?

As casas ali foram construídas
pela necessidade urgente de morar.
As pessoas, as famílias,
desde o tempo das cavernas,
precisam de teto e chão para viver.
Na tela movediça da TV
afundam salas, sonhos, oratórios.
Cada olhar, cada voz, cada palavra
enterra seu punhal na consciência,
no coração escondido em nosso peito.

Quem poderá ficar imóvel
ante essa tragédia?
Estendo a mão deste poema
eu peço: “Uma ajuda pelos desvalidos”.
Uma coisa a menos a quem tem tudo,
nunca é de mais.
Uma coisa a mais a quem tem nada,
nunca é de menos.

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Natal Ribeirinho

João de Jesus PAES LOUREIRO

Para as crianças da minha terra.

25 de dezembro.
Nasceu na beira do rio
um menino tão bonito
bem como nunca se viu.

Devia ser esperado
pois todos o vinham ver:
O rio de ondas vestido,
com ramos de bem-querer;

O beija-flor no seu bico
trouxe uma estrela; Jasmins
fizerem-lhe alvo leito
rodeado de curumins;

O Boto trouxe um chapéu;
O Uirapuru trouxe o canto;
A Abelha, um favo de mel;
A Uiara bordou-lhe o manto.

De Abaetutuba trouxeram
brinquedos de miriti.
De toda parte chegavam
barcos de peixe a açaí.

Os pais daquele menino
não se cabiam de amor.
Maria cuidava do filho.
José era pescador.

Dizem que nunca nascera
criança tão linda assim,
de sua pele evolava
patixuli e alecrim.

Não sei qual foi o destino
dessa criança, sua vida.
Dizem que andava nas águas
e que era muito querida.

Que os peixes multiplicava
e, às vezes, o pão também.
Que amava os que não têm nada
mas, pelo amor, tudo têm.

Dizem que deu sua vida
vivendo a fazer o bem.
Que um dia ressuscitou
e os anjos diziam amém.

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Poemas sobre o Círio de Nazaré

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Oratório do Círio de Nazaré

João de Jesus Paes Loureiro

Belém do Pará/1986

O Círio

O Círio vai passando como um rio.
Rio de anjos e brinquedos de miriti.
Como um rio
e sua multidão de ondas caminhantes.
Como um rio.
O Círio vai passando como um rio.

Passa a Barca dos Marujos.
Passa a Barca dos Milagres.
Passa a Barca dos Arcanjos.
Passa a Barca das Girandas.
Piracema da fé na rua que é rio!
Passa a Barca da Berlinda
periantã de lírios
arcano a navegar à flor das almas…

O Círio vai passando como um rio.
A correnteza de um rio
com alma e devoção.
Rio de sílabas velozes.
Sonoro rio
e seus cardumes de canções.
Um rio de ondas submarinas,
pleno de naves aves velas e velames.
Um rio devoto
navegado pela fé,
peixe a navegar por entre a correnteza.

Carro dos Anjos

Anjos anjos anjos
Nuvem de anjos passando entre mangueiras.
Anjos anjos anjos
Carro de anjos passando pelas ruas.
Anjos anjos anjos
Nuvem de anjos em túneis de mangueiras.
Anjos anjos anjos
Carro de anjos levado pelas ruas.

Asas de anjos roçando nas mangueiras.
Asas de anjos pousando o céu nas ruas.

Senhora de Nazaré

Senhora,
talvez aqueles que te levam
pelas ruas
no azul levíssimo da alma
nem percebam
que é por todos nós que passas…

Senhora,
tu que passas sobre todas as cabeças,
coroada de cantares e perfumes,
entre pedras, paus, penas e espinhos
hás de tornar cada vez mais suaves
nossos caminhos…

Senhora,
barca de flores
caviana mística
coração de pétalas no peito da manhã
Iara boiando em águas encantadas
rosa mística, “lírio mimoso”, cântico dos cânticos…

Senhora de Nazaré,
tu que passas pisando nosso chão
coroada de sonhos e de flores,
só não hás de passar no ardor do meu coração…

Carro dos Milagres

O Carro dos Milagres é um barco.
Navega sob nave de mangueiras
nas ruas de Belém…
No tombadilho
acumulam-se pernas, troncos, braços,
cabeças destroncadas,
destroços de poesia, cacos de esperança.
Acumulam-se casas, igarités, malárias, espinhelas.
Acumulam-se mazelas e penas desta vida…

Quando, nesse barco
tripulado por sonhos,
equipagem de graças e milagres,
há de haver
o cocar de algum índio celebrado
e o punhado de terras do colono
que garantiu seu chão para viver?

Quando há de haver
no Carro dos Milagres,
como no alvo garçal de Monte Alegre,
o levíssimo pousar de aves claras
revelando
que entre nós a paz pousou na terra.

A Virgem na Berlinda

Em meio à multidão
quisera ser
tão só
um desses lírios em teu andor,
para estar a teus pés
para sentir teu perfume
para bem perto olhar
teus pequeninos olhos de ternura.

Quisera ser essas folhas de mangueira
à tua passagem
e te roçar de leve com meus lábios.
Quisera ser esse raio de sol
por entre as folhas,
para tocar tua imagem e te aquecer.
Quisera ser essa brisa
das manhãs de Belém,
para agitar levíssimo o teu manto.
Quisera ser um hino
a rebrotar dos lábios das crianças.
Um hino em teu louvor!
Quisera ser os passos da paixão
te acompanhando,
como o peixe acompanha
a procissão das águas,
como o tema da canção
que passa
por entre a melodia.
Quisera ser as sílabas do amor
para a linguagem ser dos que te amam.

A Corda

Mãos rezam na corda
Arrastam de amor o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a fé
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos

Mãos sonham na corda
Arrastam de ardor o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a esperança
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos

Mãos sangram na corda
Arrastam fiéis e o Carro da Berlinda
Mãos na corda arrastam a caridade
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos

Mãos tecem de mãos a corda
Arrastam homens e mulheres para dentro de sua alma
Mãos na corda arrastam o céu na terra
Mãos na corda arrastam
Mãos na corda
Mãos na
Mãos

Louvor à Virgem

Senhora de Nazaré!
Meu coração
em teu louvor
sangra, queima, se renova e dança,
faz-se de amor por ti.
Toma-me para sempre em tua devoção.
Aprisiona-me, Senhora,
na liberdade azul de minhas asas…

Sou livre
se encarcerado sou
em teu amor.
Sou mais alto
ajoelhando-me a teus pés.
Sou infinito
mesmo sendo grão de poeira
ínfimo, que pisam
os que te levam no ombro e ao coração…

Senhora de Nazaré!
Muiraquitã no colar de cordas e de mãos.
Cocar de luz na fronte indígena
de nossa emoção original.

Senhora de Nazaré
Dá-nos amor!
Senhora de Nazaré
dá-nos a paz!
Senhora de Nazaré
dá-nos amor e paz
como luz e pão de cada dia…

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A moto-romaria do Círio

João de Jesus Paes Loureiro

Belém do Pará/2009

Romaria de motocicletas.
Liturgia tecnológica
no cantar o canto-chão de máquinas em coro,
rezando pelas descargas,
orando pelas buzinas,
acelerando a crença
no velocímetro da fé.
Máquinas em devoção metálica.
Transfiguração de pés em rodas peregrinas.
Palavras embreadas na linguagem.

Mudando a marcha do tempo
a moto-romaria
avança pelas ruas do que é
em busca do vir a ser no que será.
Signos tatuados em braços,
costas, peitos, ventres, pelvis, pernas
de um novo corpo místico.
A pós-modernidade aqui que se faz litúrgica
convertendo a moto, símbolo rebelde,
em signo devoto.

Relâmpago de preces
na veloz velocidade mecânica
de nossos dias.
Motocírio ansioso furando o túnel de mangueiras,
abrindo um buraco na luz da manhã.
Devoção metálica de uma época
que não tem mais tempo para o tempo.

O antigo veste roupa nova,
ou é o novo que celebra o antigo?
Rios a encontrarem-se nas águas,
correntezas litúrgicas,
almas abraçadas
pelas ruas de Belém.

Cheiro de gasolina
entre incensos e patichulis.
Buzinas feito campaínhas.
Colares de sementes
entre escapulários.
Descargas pelos canos explodindo
sonorizando fogos de artifício.
Corais motorizados que rezam ladainhas.
A imagem na Berlinda
sobre o carro de bombeiros,
avança
entre os incêndio da fé que arde nas almas.

Com que súbito espanto,
de seu calmo céu de catecismo,
anjos, de harpa nas mãos,
hão de entender essa missa dionisíaca de máquinas?
A romaria das motos pelo asfalto
arromba as portas do silêncio,
da indiferença,
do conformismo
e abre,
sob túneis de mangueiras,
uma nova estrada de amor e de esperança.

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Mangueiras de Belém

outubro 14, 2012 1 comentário

João de Jesus Paes Loureiro

Ai! Cidade das Mangueiras!
Quem te vê e não te ama?
O rio se curva e te oferta
um branco buquê de espuma.
A noite deita nos becos
e a cuia da lua derrama.

Ai! Cidade das Mangueiras!
Quem te vê e não te ama?
Ruas de anjos com asas
de verde beleza arcana.
Ai! Mangueiras da Cidade,
que o sol esculpiu na sombra,
por vós o poeta implora,
por vós a poesia clama…
Ai! Cidade das Mangueiras!
Quem te vê e não te ama?

Por que vagam na cidade
assassinos de mangueiras,
matando-as por querer
ou matando de encomenda,
matando à sombra da lei,
essa lei sem lei, sem lenda?
Essa triste lei da morte
que tem na morte sua vida.
Não deixem que passe impune
esse crime, essa desdita.
Fotografem, multipliquem
vosso “não” pela internet,
pelos blogs, no youtube,
nos orkuts, nos e-mails,
nas asas dos passarinhos
que estão perdendo seus ninhos,
no peito dos que se amam,
nos muros e nos caminhos…

Quem pode lavar a mão
olhando esse arvorecídio?
Que frutos hão de brotar
nos galhos da solidão?
Que é feito do coração
desses que sem piedade
arrancam pela raiz
as raízes seculares
da alma desta cidade?

Ai! Mangueiras de Belém!
Anjos de verde folhagem,
que fazem sombra com as asas
mas são em poste enforcadas.
Verdes berlindas de mangas
no Círio de cada dia.
Campanários de andorinhas
nos corais da ave-maria.

Ai! Cidade das Mangueiras!
Quem te vê e não te ama?
Tua leve melancolia
presa em gaiolas de chuva.
Teu dia, garanhão de auroras
tua noite sempre viúva…
Belém, donzela das águas,
no rio do verso encantada.
Oh! Barca de verdes velas,
no Ver-o-Peso aportada.

[Publicado originalmente em 05 de fevereiro de 2007 e repostado hoje em comemoração ao aniversário de Belém, no próximo dia 12 de janeiro]

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Muiraquitã – o poema inspirado na dança

Uma homenagem para Flávia Harada que dançou esta coreografia em sua apresentação na Abertura do EIDAP – Encontro Internacional de Dança do Pará de 2011.

Muiraquitã

João de Jesus Paes Loureiro

A bailarina mergulha dentro de si mesma
E da alma retira a dança submersa.

Ela se faz Icamiaba alada e leve
A cavalgar seu corpo de prados e colinas.

Equilibra-se no dorso dessa égua brava
Indomável trotando a pulsar em suas veias.

Seu movimento é feito de cem luas quebradas
E entre rendas e garças irrompe o ardor do sexo.

Oh! Bailarina Pentessiléia rainha das Amazonas
Olhar de onça pintada que arma o bote arisco.

Só tu podes entrar e sair, e mais ninguém,
No inferno da beleza que há dentro do amor.

Pois teu amor é a Dança que esculpe no teu corpo
Muiraquitã de músculos e carne, sonho e gesto ardente.

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Café Central – Salão de espelhos evoca imagens da Amazônia

Helder Lima

Blog Livros & Ideias – 29 de agosto de 2011

Um aspecto que torna a literatura contemporânea interessante é o fato de os escritores abandonarem as delimitações entre imaginação e realidade. Hoje, há o exercício de uma liberdade de criação que também faz explodir as categorias de gêneros, como conto, romance, poesia, ensaio, monografia… O compromisso com aquilo que se deseja expressar para emocionar o leitor fala mais alto.

No jogo de possibilidades da linguagem, um livro pode trazer outros livros dentro de si, de diferentes gêneros. Tomei assim o romance de estreia do poeta João de Jesus Paes Loureiro, intitulado ‘Café Central: o tempo submerso nos espelhos’ como um documento, uma referência da paisagem e da cultura da floresta amazônica, sobretudo no que tange ao espetáculo de viajar no leito de rios como o Tocantins, que o autor descreve com lirismo e riqueza de detalhes.

Ao percorrer as páginas, tive vontade de me aventurar em um daqueles barcos a vela que vão de Abaetetuba, no Pará, cidade natal de Loureiro, até a capital Belém, às margens da baía de Marajó, que alarga o curso do Tocantins ao encontrar o mar. As garças em revoada, os marapatás – pedaços da margem que se desprendem e flutuam no rio –, a interação com as comunidades ribeirinhas, o peixe farto servido com farinha são elementos que formam o retrato de um País desconhecido para os brasileiros que habitam as metrópoles.

No romance e na vida real, ‘Café central’ foi o espaço de um salão de espelhos em Belém, densamente decorado com o espírito da Belle Époque, que abrigava intelectuais, artistas, jornalistas, estudantes e outros bichos durante os 70, os anos duros da ditadura militar, em que as principais notícias, censuradas para os jornais, corriam de boca em boca.

O narrador é um militante de esquerda que está sendo procurado pela polícia da ditadura, o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Por isso, ele se esconde em um quarto contíguo ao Café e nas altas horas da madrugada frequenta o salão fechado, onde os espelhos, em formações como num caleidoscópio, evocam suas memórias, criando uma alegoria, ou uma representação de forma figurada, em torno da fusão do real e imaginário nas nossas opiniões e visões de mundo.

Na época da ditadura, os espelhos do Café Central traziam marcas de decadência, como rachaduras e áreas embaçadas que serviam de combustíveis para a profusão de imagens evocadas pelo narrador. A partir do refugio inicial no Café, o livro se desenvolve em torno das viagens por rios que o narrador tem que fazer para se esconder da polícia repressora, o que abre a possibilidade de conviver com o homem nesse universo encantado pela natureza. Vale destacar que o mito e a realidade que se misturam nas lendas das populações ribeirinhas também ecoam a alegoria do autor e enriquecem o romance.

Helder Lima é jornalista, especialista em semiótica psicanalítica pela PUC-SP e atua na assessoria de imprensa do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) e como colunista dos jornais Metrô News e Folha Metropolitana. Foi editor de Economia, Automóveis e Informática no Diário do Grande ABC, trabalhou nas revistas da  Editora Pini, foi repórter da revista SuperVarejo, repórter dos jornais Notícias Populares e Shopping News e também trabalhou em assessorias de imprensa.

Mais informações sobre Café Central – o tempo submerso nos espelhos.

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Antipoema 10: Blues para Amy Winehouse

João de Jesus Paes Loureiro

“Boa noite, meu anjo. Dorme bem.”
Mitch Winehouse, pai de Amy,
no funeral da filha.

Sim, foi um anjo.
Um anjo torto, talvez,
que das bordas do abismo fez do canto
apelo a ecoar nas catedrais do tempo
e não soubemos há tempo compreender.

Amy teimou sonhar
no mundo avesso ao sonho.
Mundo que só queria a seiva de seu canto
de uirapuru com navalhas na garganta.
Queria decidir seu tempo de sonhar.
O sonho em cápsulas de crack custa pouco
e ilude a liberdade possível de uma escolha…
Não compreendeu que na droga
é possível comprar a qualquer hora
o prazer de sonhar…
Mas é um sonho que mata.
Pois a morte não sonha e não tem hora.

Foi uma diva disfarçada de mulher comum.
De uma graça desajeitada.
De uma beleza em desalinho.
De voz ancestral numa garganta eletrônica.
De lábios suculentos e tímido sorriso.
De cabeleira farta como cascata represada num turbante.
De nariz em rude perfil delineado com delicadeza.
De olhos graúdos de vamp e mansidão no olhar.

Uma beleza selvagem debatendo-se
nas jaulas domesticadas do lugar comum.
Beleza gloriosa mas estranha
e reduzida a frangalhos pelo tempo.
Psicografava em tatuagens a sua alma.
Pinturas corporais na pétala da pele
tornaram-se inscrições roídas e arruinadas
pelos vermes invisíveis do crack, cocaína,
heroína, ecstasy e kotamina.
Os piercings tentavam no seu corpo fixar
os dias da mocidade esquecidos no diário.
A pele foi ressecando, sob sóis noturnos,
pendurada no varal dos ossos.
Ela se fez viver morrendo e sepultando-se
em fotos, vídeos, youtubes, espetáculos.
Mas sobre tudo em fotos.
Tumbas sucessivas da beleza em corrosão.
Rosto de deusa grega nos altares de pubs e de alcoóis.
Olhar sonâmbulo de quem queria desperta ver o sonho.
Tantas transgressões, enfim, tanta ternura.
Apenas impecável a voz,
voz uterina soando incandescente
dos abismos do ser.

27 anos.
23 de julho de 2011.
Em Canden, bairro de Londres.
Às 16 horas Amy se morre para sempre.
Vestida unicamente de tatuagens,
testamento no corpo-pergaminho.
No braço esquerdo: “Nunca amarrem minhas asas.”
No braço direito: o signo da sorte é “ferradura”.
No antebraço esquerdo,
uma levíssima “pena” não revela suas penas.
Na barriga, uma ironia sutil: “Olá marinheiro.”
No seio esquerdo: “Blake’s”, quer dizer: “do Blake”,
ofertório de posse ao talvez único amor.
Noutra parte do corpo está escrito: “Menina do papai.”
Declarou, certa vez, que sonhava ter filhos, ser feliz
bem longe do cotidiano em que vivia.

Na internet Amy Winehouse olha-me do outro lado do eterno.
Em silêncio escuto sua voz de tabaco e cristal.
Canta um blues de uma tristeza em pânico e gloriosa:
“Eu disse não, não, não”.
E tenho a sensação de que um anjo,
anjo que um dia agarrou-se numa estrela cadente,
está cantando agora do mais profundo de todos os abismos.
Uma gota de luar rola das pálpebras da lua
e tomba de meus olhos no poema.

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Lançamento do romance “Café Central – o tempo submerso nos espelhos” em Manaus

O lançamento do livro Café Central: o tempo submerso nos espelhos em Manaus (AM), acontecerá neste sábado, 09 de julho, às 10h, na Livraria Valer, situada na Av. Ramos Ferreira, 1195 – Centro.

Serviço

Lançamento do livro Café Central: o tempo submerso nos espelhos
Autor: João de Jesus Paes Loureiro
Editora: Escrituras
Gênero: Literatura brasileira/Romance
Páginas: 384
Formato: 14 X 21 cm, brochura
Preço: R$ 40,00
Data: 09 de julho de 2011
Horário: 10h
Local: Livraria Valer (Av. Ramos Ferreira, 1195 – Centro de Manaus)
Contatos: Valer: (92) 3635-1245

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